Por que o mercado de tecnologia precisa de mais mulheres
É necessário quebrar os estereótipos e criar um ambiente de trabalho mais acolhedor em uma área predominantemente masculina
Pouca gente sabe que o primeiro programa de computador foi criado graças a uma mulher, a matemática inglesa Ada Lovelace (1815-1852). Ela é reconhecida por ter escrito o primeiro algoritmo para ser processado por uma máquina, projetada no século 19 pelo também inglês Charles Babbage, um pioneiro da Ciência da Computação.
Durante a Segunda Guerra, quando muitos homens estavam nas frentes de batalha, as mulheres formavam a maior parte da força de trabalho na área de tecnologia. Com o fim do conflito, elas foram perdendo espaço. Em 1970, representavam apenas 14% dos graduados em Ciência da Computação. Em 1984, esse número tinha subido para 37%, mas depois caiu novamente e se manteve em torno de 18% até 2010, tanto nos Estados Unidos como no Brasil.
Atualmente, segundo dados do Inep de 2019, o número de alunas do sexo feminino em cursos de computação no Brasil está em torno de 16%. O mercado de tecnologia da informação global é formado por 25% de profissionais mulheres. No Brasil, elas representam apenas 20% desta mão de obra.
A precoce exclusão de STEM como opção
Um estudo das universidades de Houston e Washington mostrou que crianças com 6 anos já começam a desenvolver a ideia de que meninas são menos interessadas em computação e engenharia do que meninos. Esses estereótipos contribuem para aumentar ainda mais o gap desde a infância.
A disparidade prossegue no ensino médio. De acordo com uma pesquisa da consultoria PwC, 83% dos alunos do sexo masculino optam por disciplinas de STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática). Entre as mulheres, são 64%.
Outro estudo da PwC, realizado com estudantes do Reino Unido, revelou que apenas 27% das mulheres entrevistadas pretendem seguir uma carreira na área de tecnologia. Entre as razões citadas para esse baixo percentual está o fato de que essa carreira nunca foi apresentada a elas como uma opção. Outro fator mencionado é a falta de referências femininas na área.
Mas não para por aí. Não podemos perder as poucas profissionais que temos no mercado, por razões como falta de escuta ativa, apoio, incentivo e respeito às diferenças. Precisamos de exemplos em cargos mais altos, para evitar o viés inconsciente machista que se propaga ao dar preferência e voz apenas aos pares masculinos.
Além disso, quando as posições de tomada de decisão são primordialmente masculinas, é difícil acreditar que o sistema, por si só, se encarregará de fazer esses ajustes históricos para eliminar a desigualdade. A tímida e lenta evolução histórica, refletida nos números, fala por si.
Um mercado sedento por mão de obra
Se olharmos para o recorte da área de TI, temos centenas de milhares de vagas abertas apenas no Brasil. Vale mesmo escolher pagar um custo tão alto ao excluir ou dificultar a entrada e a permanência de mulheres na área apenas por questão de gênero?
Os benefícios de um ambiente mais diverso
Mulheres e homens têm visões complementares e existem inúmeras evidências dos ganhos para o negócio e para a sociedade em ambientes que prezam pela diversidade. Por exemplo, uma pesquisa da Organização Mundial do Trabalho de 2017 mostrou que, se aumentássemos em um quarto a participação de mulheres no mercado de trabalho, em oito anos (2018-2025) o Brasil poderia expandir sua economia em até 382 bilhões de reais.
Além disso, os modelos de negócio, em sua maioria, terão que ser disruptados. Mais diversidade gera mais inovação, melhores soluções para o mercado e mais adequados a um público responsável, em média, por 50% do acesso às mídias sociais no Brasil. Segundo um estudo europeu, equipes diversas têm melhor comunicação e colaboração entre as equipes. Outro estudo mostrou que as receitas, o market share e o desempenho em geral do negócio são melhores em empresas que têm maior diversidade.
Sentimento de inconformismo
É estarrecedor ler e ouvir que as mulheres precisam ocupar seus espaços e que as mulheres devem lutar por mais oportunidades. Sem considerar que, quando elas o fazem, podem ainda confrontar com objeções, em suma culturais, criadas e mantidas pela incompreensão ou pela disposição de reconhecer as diferenças complementares do feminino. A verdade é que as mulheres estão lutando desde sempre por essas oportunidades e espaço.
Assim, o que precisamos nos perguntar é: Por que apenas 14,3% das cadeiras de conselho de administração são ocupadas por mulheres em empresas de capital aberto? (Pesquisa Brasil Board Index, 2021). Por que apenas três mulheres presidem o conselho de administração, sendo duas delas da família dos fundadores? Por que elas representam apenas 20% do mercado de TI? Por que elas não estão optando por cursar uma graduação na área?
A única certeza é que uma presença relativa maior de mulheres na tecnologia perpassa a vontade delas em querer ou não ocupar esse espaço. Essa realidade pode e precisa ser mudada pelas mulheres e por todos aqueles (homens e instituições) que se dispõem a abraçar essa cultura, mesmo quando não herdaram um ambiente inclusivo e que respeite e acolha as diferenças. Façamos essa mudança!
Agir é preciso
Esses são apenas alguns pontos de inúmeros desafios que precisamos enfrentar. É necessário um esforço coletivo, consistente, no qual falas sejam refletidas em ações. Começa em casa, na forma como as meninas têm sido educadas, na quebra de estereótipos, nos primeiros exemplos femininos e masculinos. Na educação dos primeiros anos da escola, no incentivo e desmistificação em relação às áreas de STEM, para que no ensino médio um número maior de meninas opte por se matricular em cursos dessas áreas. Na sensibilização dos colegas de trabalho e tomadores de decisão, para que tenhamos mais empatia e respeito à diversidade e mais oportunidades.
Cursos inclusivos, acolhedores, que respeitem as diferenças entre meninos e meninas e fortaleçam essa conexão, permitirão que mais meninas escolham e continuem nesses cursos e sigam a carreira. Essa é uma das razões pelas quais estou aqui como parte do corpo docente do curso de Ciência da Computação do Insper.
Nós iremos contribuir para mudar essa realidade.
* Graziela Tonin é doutora em Ciência da Computação pela Universidade de São Paulo, na área de Engenharia de Software, Dívida Técnica e Metodologias Ágeis. Ela vai lecionar a disciplina Projeto Ágil e Programação Eficaz no novo curso de Ciência da Computação do Insper
Disponível em: https://www.insper.edu.br/noticias/por-que-o-mercado-de-tecnologia-precisa-de-mais-mulheres/